quinta-feira, 22 de maio de 2014

Miécio Caffé


O MUSEU DE IMAGEM E SOM AINDA DEVE A MIÉCIO CAFFÉ A ORGANIZAÇÃO DE SEU ACERVO DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA


O caricaturista, desenhista, colecionador , estudioso da música popular brasileira, era conhecido por ter uma das maiores discotecas do país, com cerca de mais de 7 mil discos de 78 rotações por minuto. 


Casado, sem filhos, resolveu doar seu acervo para o Museu de Imagem e Som, em abril de 1989, com a condição de que fossem preservados e colocados à disposição do público para ouvir e consultar os grandes de nosso samba original, inclusive primeiras edições como a “Por telefone” de Donga, gravação que entrou para a história da música popular brasileira. 


Juntamente com os discos, Caffé repassou para o MIS, 683 horas de depoimentos gravados com músicos de várias épocas, livros sobre MPB e centenas de ilustrações suas. Segundo o cartunista Jal, organizador do prêmio HQ Mix e amigo do artista, Miecio Caffé morreu desiludido com os rumos que foram dados à sua coleção, pois pouco foi aproveitado do material em reedições.

Sua esposa, companheira, parceira e guardiã, Hedi, mantinha os milhares de discos conservados, guardados por ordem de gravação em fichário escrito à mão e catalogados, com data de gravação, autores, compositores, gravadora, etc. Não havia internet na época e ao que parece o MIS não digitou o acervo. Pelo contrário, há uma corrente de músicos e amigos de Caffé afirmando que os discos estão jogados em alguma sala escura, mal conservados, e sofrendo desgaste com a ação do tempo. 

Nos anos 30 e 40, quando morava no Rio, desenhou muitos cartazes para a produtora Cinédia, de Ademar Gonzaga. Ainda hoje existem alguns destes cartazes nas paredes do Bar Filial, na Rua Fidalga, na Vila Madalena, bairro boêmio de São Paulo. 

Quando se transferiu para São Paulo, Miecio Caffé foi morar com Hedi num apartamento localizado na zona central da capital, na Rua Vitória, esquina da Av. Rio Branco, local conhecido como Boca do Lixo. Vivia de forma modesta e metódica. Trabalhava em casa de pijama e chinelo e após levantar-se, tomar banho e café, sentava-se na prancheta e trabalhava o dia inteiro, varando noites com visitas inesperadas de grandes músicos e cantores da época. 

Com todo seu amor por música popular, com preferência para os sambas de breque, só trabalhava ao som de música clássica. 

Em uma entrevista ao Estadão declarou “Eu nunca fiz nada além de desenhar e ouvir música. Até meus discos, que comprava era a Hedi. Ela comprava, limpava com todo cuidado, fazia ficha, tudo”. 

Eu freqüentava quase diariamente seu apartamento, atendendo às distribuidoras de filmes, das fazia divulgação e cuidava da exposição dos lançamentos na mídia. O Miecio Caffé desenhava os anúncios que saiam nos jornais e seu trabalho consistia em aproveitar a arte que vinha pronta dos estúdios nos Estados Unidos, em vários tamanhos e medidas de colunas dos jornais. Era um caderno chamado “exploitation”, que podíamos traduzir como folha de dados. Eu fazia a tradução das frases que o Caffé redesenhava e ele tinha centenas de sinetes de todos os cinemas de São Paulo, que eram colados nos anúncios. Assim, o anúncio do filme poderia vir com 1, 2 ou mais inserções, pois cada cinema tinha sua marca na base do desenho. 

Cabia a mim controlar os cinemas exibidores, informar o Caffé das mudanças e providenciar adendos ou retiradas de novas logomarcas do cinema, no circuito. 

Hoje é diferente. Os anúncios são feitos por filmes e o aviso “hoje nos cinemas”, obriga o espectador a procurar a sala onde vai assisti-los. 

Eu tinha que ir quase diariamente à casa do Caffé, pois os filmes ficavam pouco tempo em cartaz e não tinham data definida para estréia. Quando atingia a uma quantia mínima de bilheteria, dobrava a semana, caso contrário saía e dava lugar a outro filme. Verdadeira máquina de moer carne. 

Mas era um prazer ir à sua casa. Quando não tinha visitas, batíamos longos papos e ele era um bom papo, tinha sido boêmio na juventude. 

Era muito fácil encontrar visitas como João Gilberto, Maysa, Lucio Alves, Aracy de Almeida, Ciro Monteiro, Isaurinha Garcia, Adoniran Barbosa, Sylvio Caldas, Emilinha Borba, Francisco Alves, Manezinho Araujo, Orlando Silva, Roberto Luna, Dick Farney. Os artistas que moravam no Rio, quando vinham a São Paulo faziam parada obrigatória no seu apartamento. Naquele tempo a Viação Cometa ficava a duas quadras de sua casa, na Av.Ipiranga, esquina com Av. Rio Branco, parada dos ônibus que vinham do Rio, e a passagem era obrigatória pelo apartamento, para tomar o famoso cafezinho da Hedi. com conversa animada, cantorias ou gravações caseiras. 

Levava uma vida muito reclusa, até que acedendo a insistentes pedidos de Hedi comprou um apartamento na Praia Grande, onde passavam o fim de semana. Mas ela faleceu logo, não aproveitando muito daqueles dias ao ar livre. Ele, já desgostoso com o MIS, e com sinais do mal de Alzheimer, transferiu-se para a praia, onde morreu num asilo, a 11 de março de 2003, aos 82 anos. Seu corpo foi transferido para São Paulo e enterrado no Cemitério do Tremembé. 

Miecio Caffé foi responsável e colaborou na memória da música popular brasileira, já que a maioria das reedições de antigas gravações até meados dos anos 80 foram feitas a partir do seu acervo, que detinha discos 78 RPM e de outras polegadas, aos quais as próprias gravadoras tinham que recorrer. 

Entre centenas de caricaturas que deixou como seu legado, contamos com a de jogadores de futebol, como Pelé, Nilton Santos, Didi,Garrincha, Waldemar Fiume,Leônidas e músicos, Noel Rosa, Orlando Silva, Benedito Lacerda, Luiz Gonzaga, Moreira da Silva, Clementina de Jesus, Caetano Veloso, Chico Buarque,Gilberto Gil, Maria Bethânia, Paulinho da Viola, Roberto Carlos e um famoso retrato de Villa-Lobos jogando sinuca. 

Sua assinatura era o desenho de uma xícara de café adicionada com a letra “f” com o acento agudo em cima, como se fora o aroma exalando. 

Já desenhou capas de livro para a editora Civilização Brasileira, Foi caricaturista no jornal “A Gazeta Esportiva”, numa página de rádio chamada “PR Caricatura” dirigida pelo critico Denis Brian. 


Caffé e Hedi foram responsáveis por uma coletânea de Francisco Alves. A gravadora bateu à sua porta com o pedido de auxilio. Tiveram que recorrer a seus arquivos, pois haviam destruído todas as matrizes de gravações do cantor. Café e Hedi fizeram a seleção das músicas, preparam a matriz a partir das gravações originais, pesquisaram e escreveram o texto. Ele desenhou a arte da capa e da contra capa. A coletânea vendeu como água, principalmente após a trágica morte do cantor num desastre de carro na Via Dutra. 

Um dos mais famosos freqüentadores de seu apartamento foi o seu conterrâneo João Gilberto. Caffé dizia que sempre que atendia e telefone e ouvia o João chamá-lo de “Miécinho”, sabia que vinha encrenca. Volta e meia ele varava a noite inteira ouvindo antigas gravações de Orlando Silva, Suas preferidas o samba “Olha a bahiana” (1934, de Kid Pepe e G.A.Coelho, com a orquestra Columbia) e a marcha carnavalesca “Chopp da Brahma” (1935, de Ary Barroso e Bastos Tigre, um dos primeiros jingles do Brasil). 

Uma noite, João Gilberto chegou em casa do Miécio, cumprimentou-o e foi para a cozinha com a Hedi. Depois a mulher contou o que cochicharam: “O pessoal de Juazeiro está reclamando que o Caffé ainda não fez a caricatura do Joãozinho. 

Reconhecimento neste país sem memória? Houve uma homenagem no 24º Salão Internacional de Humor em Piracicaba, em 1997. 

Fonte:  http://www.ovadiasaadia.com.br/

Um comentário:

  1. Hoje, 11 de março, faz 16 anos que faleceu o artista plástico Miécio Caffé, baiano de Juazeiro.

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